sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Evolução em Crise.

Com a finalidade de trocar ideias com um amigo acerca de questões relativas à Evolução vs Criacionismo, fiz uma pesquisa rápida sobre o Dr. Michael Denton, um dos cientistas em evidência no momento. Há muita coisa sobre ele, como há muita coisa acerca de muitos outros, mas de tudo o que pude ver, duas coisas me chamaram a atenção: dois livros dele publicados há não muito tempo.



Não lí os livros, e isso é um aviso importante, considerando que vou fazer comentários sobre livros que não lí. Alguém pereguntará como posso fazer comentários sobre livros que não li, mas explico: não é sobre os livros, mas sobre os títulos. Foram os títulos que me chamaram a atenção e, ou muito me engano, ou há qualquer coisa neles que não bate, não encaixa, não "clica."



O título do primeiro é (em Inglês): Evolution, a Theory in Crisis: New Developments in Science are Changing Orthodox Darwinism. Este título chamou-me imediatamente a atenção, não sei se chamou a atenção de outros e, se chamou, não sei se alguém já fez algum comentário sobre isso.



Deixe-me ir com cuidado. Em primeiro lugar não estou aqui a fazer qualquer crítica ao Dr. Michael Denton enquanto cientista. Eu não sou um cientista de profissão e não tenho educação ou treino formal em qualquer dos ramos da ciência. A minha apreciação, portanto, é apenas a de um leigo que tem interesse nestas coisas. Consequentemente, parto do princípio de que o Dr. Michael Denton é um centista competente na sua área específica de actuação. Partir disso é, para mim, apenas confortável, pois não teria condições de avaliar o Dr. Denton pondo-me na qualidade de cientista.



Portanto, as minhas observações são de carácter muito geral e, como eu disse, referem-se apenas aos títulos dos seus livros, e o que digo a partir daí está sujeito à crítica e ao debate. Estou apenas a imaginar o que pode se esconder dentro desta "armadura das palavras" nos títulos dos dois livros.



A primeira pergunta que me faço acerca do título do primeiro livro é, por que diz o Dr. Denton que a Evolução é uma teoria em crise? Numa entrevista publicada na Internet, ao ser perguntado por que havia escrito "Evolução, uma Teoria em Crise," o Dr. Denton respondeu que, "muito simplesmente", porque ele acha que o presente quadro do Darwinismo é insuficiente e não fornece uma explicação abrangente ("comprehensive explanation") de como o padrão ("pattern") da vida emergiu sobre a terra.



Isto me parece uma explicação curiosa. Penso que o facto de qualquer teoria científica actual não ser suficiente e não dar uma "explicação abrangente" de qualquer facto da natureza, não é uma razão válida para que esteja - ou seja tomada como estando - em crise. Isso acontece em muitas outras áreas do esforço científico, isto é, existem nelas teorias que não são suficientes para explicações abrangentes. E algumas dessas teorias não apenas não explicam abrangentemente mas estão, ainda, cheias de falhas que os próprios cientistas reconhecem. Mesmo assim eles as admitem como plausíveis, talvez porque, num dado momento, não exista uma teoria melhor.



Na verdade, podemos dizer que qualquer teoria científica está "em crise", no sentido de que nenhuma delas pode ser tomada como a palavra final, como a verdade última, imutável e absoluta em seja lá o que for. Num sentido muito próprio, todas as teorias científicas estão a andar na corda bamba e correm o risco de lá despencar a qualquer hora, ou por alterações profundas e amplas nelas, ou por puro e simples descartamento, quando são substituídas por outras.



Muitas teorias científicas do passado tem sido modificadas, melhoradas, aperfeiçoadas, re-afirmadas, re-propostas, re-formadas, e umas tantas outras foram simplesmente deitadas fora e passaram a ser história da ciência

Uma teoria científica é mantida e defendida enquanto explica, ou é passível de vir a explicar, um fenómeno ou uma série deles, mas não se exige de uma teoria, qualquer que seja, que explique a totalidade dos factos referentes a um aspecto qualquer do mundo natural. A Teoria da Evolução, penso eu, é uma teoria científica e, como tal, está sujeita aos mesmos stresses de qualquer outra teoria científica. Mesmo na Física, considerada por muitos, e com razão, a raínha das ciências, a incerteza existe sempre, as teorias em Física nem sempre são suficientes para explicar tudo, mas a pesquisa prossegue, a investigação prossegue, os aperfeiçoamentos vão sendo feitos, e não me recordo de nenhum Físico a andar para aí a dizer que a Teoria do Bang Bang, por exemplo, está em crise, ou que está em crise qualquer das várias teorias na Física das Partículas. (Na verdade, o Big Bang talvez nem seja uma teoria mas apenas um modelo, e os modelos, como diz o Prof. Stephen Jay Gould em um dos seus livros, não é tido por verdadeiro nem falso, mas apenas por útil ou inútil.)



Mas há um problema aqui que precisa ser esclarecido: é a expressão "comprehensive explanation", que o Dr. Denton usou na resposta que deu e que traduzi como "explicação abrangente." O problema é que o termo "comprehensive/abrangente" tanto pode significar "inclusivo, de longo alcance, amplo, extensivo", como pode significar "todo-inclusivo, exaustivo." Se o Dr. Denton, ao empregar "comprehensive" na sua resposta, estava a significar que a Teoria da Evolução não tem um "espectro" suficientemente amplo para explicar tudo, que nas suas possibilidades explicativas ela tem limitações, concordo com ele. É assim que acontece com todas as teorias científicas, como ja disse. E se, por "comprehensive" o Dr. Denton significa que a teoria da evolução não é "toda-inclusiva ou exaustiva" também concordo com ele. É dizer a mesma coisa doutra maneira. O problema é que, em qualquer dos casos, dito de uma maneira ou de outra, não há razão suficiente, penso eu, para se considerar a teoria da evolução "em crise".



Não importando quão boa uma teoria científica seja, ela pode explicar um grande número de factos ou classes de factos, mas não pode explicar todos os factos, ou todas as classes de factos, relativos a um dado fenómeno da realidade. Ou seja, há sempre alguma coisa que não é satisfatoriamente explicada, fica sempre alguma pergunta no ar, alguma coisa coisa sempre escapa ao "espectro explicativo" da teoria. Portanto, acho que é razoável supor que nenhuma teoria explica a totalidade absoluta dos factos, e isso pela simples razão de que muitas vezes nem se conhece a totalidade destes factos, ou seja, os factos, em termos quantitativos, são indeterminados. Não creio que seja possível alguém afirmar que exista uma quantidade determinada de factos, exaustivamente conhecida, sobre um fenómeno qualquer, e que uma dada teoria explica um número determinado deles, ficando o resto por explicar.



Portanto, dizer que a teoria da evolução não dá uma explicação suficientemente ampla, ou uma explicação exaustiva dos factos da biologia é apenas afirmar o óbvio. Resta ainda que, "abrangente", no sentido de inclusividade, longura de alcance, amplitude etc., é uma idéia subjectiva e, penso, não pode ser rigorosamente mensurada , mas apenas dialecticamente defendida. Para o Dr. Denton a teoria da evolução pode não ser suficientemente "inclusiva", e para outro cientista pode, se não toda-inclusiva será, pelo menos, suficientemente inclusiva. De qualquer das maneiras, dizer que a teoria da evolução não explica tudo, ou que ela não explica o suficiente, não é razão para dizer que está em crise. Que não explica tudo, sabemos. Que não explica o suficiente, depende da noção de "suficiente" que cada um tem.



Há outro pormenor aparentemente insignificante que me chamou a atenção no título. É que o Dr. Denton diz que a Teoria da Evolução não é suficiente para explicar a emergência da vida sobre a terra. Na verdade ele diz "como o padrão da vida emergiu sobre a terra." Não sei se na palavra "padrão" ("pattern") ele tem alguma carta escondida, e isto fica, por enquanto, por saber. Mas considerando que não haja alguma surpresa, eu me atreveria a dizer que, explicar como a vida surgiu na terra, ou em qualquer outra parte, não é, ou não parece que seja, tarefa da Teoria Evolucionista. Parece haver aqui uma lacuna qualquer no seu pensar. A impressão que tenho é que, o papel da Teoria Evolucionista não é explicar como a vida surgiu mas apenas como ela se desenvolveu. O próprio termo "evolução" parece indicar isso. A questão da origem última da vida não parece ser questão com que a teoria da evolução tenha que lidar. Enquanto teoria que tenta exlicar como o "padrão da vida" evoluiu, a teoria da evolução pode ser considerada uma teoria científica, mas quando ela passa, se passa, a tratar da questões das origens últimas da vida, então já não é uma teoria científica mas simples especulação.

Há outra impressão que resulta do título do livro do Dr. Denton e das reacções de alguns Criacionistas. A impressão é a de que ele não foi suficientemente claro sobre as suas posições. Alguns Criacionistas deram saltos de alegria com a publicação do livro. Um exemplo é o pessoal do "Answers in Genesis", uma revista Criacionista extremada que leva as narrativas do Gênesis ao pé e à mão da letra, que deram entusiásticos vivas ao livro. Não sei o que realmente houve para que reagissem assim, mas fica a suspeita de que o Dr. Denton disse alguma coisa que os deixou muito contentes. Talvez quem leu o livro me possa dizer algo, ou eu mesmo descobrirei quando e se chegar a lê-lo.

O título do livro também nos deixa a impressão de que o Dr. Denton está a fazer confusão entre o facto e o modus da evolução, ou entre facto e mecanismo. Custa-me pensar que seja assim, porque esse tipo de confusão acontece frequentemente entre leigos em ciências, como é o meu caso, mas não é facilmente que se julga acontecer entre cientistas. E isto me fez lembrar do que acontece entre teólogos, quando discutem a doutrina da Criação. Eles dizem que Deus criou o universo e tudo o que ele contém e, geralmente, não fornecem pormenores disso. Até aí nada demais, porque estão a afirmar aquilo que julgam ser facto e, na verdade, não é tão absurdo quanto possa parecer. Mas quando chegam à criação do homem, as coisas se complicam, porque eles não apenas querem que Deus tenha criado o homem, mas querem também saber como foi que isso aconteceu. E quando se baseiam no Gênesis para demonstrar suas teses, a teologia não pode permenecer coisa de gente séria. Será possível que cientistas, neste caso específico o Dr. Michael Denton, esteja a cometer o mesmo erro dos teólogos?

Sustento o que disse no princípio, que o Dr. Denton me merece o crédito de ser um cientista competente. Não tenho qualquer razão para dizer o contrário, e não apenas não tenho razões, como também não estou qualificado para o fazer. Mas não poderia acontecer que faltasse ao Dr. Denton a mente filosófica que pudesse capacitá-lo a ver as falhas de raciocínio do seu discurso?

Venha o que vier, com a "evolução em crise" do Dr. Denton ou sem ela, não resta dúvida, mesmo para um leigo como eu, que a Teoria da Evolução ainda é o melhor esquema explicativo para o fenómeno da vida sobre a terra. As explicações religiosas simplesmente não servem, e penso assim porque estou familiarizado com elas. Não me parece que, a julgar pela linguagem do título, o Dr. Denton tenha prestado um bom serviço à ciência e, aparentemente, abriu uma brecha por onde a sarabanda dos Criacionistas se meteu...de novo.

Na próxima mensagem farei conjecturas sobre o outro livro do Dr. Denton. Fica por agora esta, aberta à discussão, com a possibilidade de que, eventualmente, eu venha mudar totalmente a minha perspectiva acerca do Dr. Michael Denton.

Frank


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